Perseguição Crepuscular

Uma mensagem apareceu no celular:

  "Heey! Parabéns de novo. Eu acabei de achar um presente que é a sua cara! Não esquece - Georgio's, 20h. Esteja lá, ou esteja morto!"
  "Ok, Georgio's, 20h. Eu achava que meu presente fosse você numa embalagem especial nova!", Foi a resposta de Marshall.
  "Você ainda vai me ter, seu bobo. Não se atrase."

  Deus, como ele amava aquela mulher. Estava com Stella a dois ano, e ela era o amor de sua vida. Hoje sairíam para comemorar seu aniversário. Marshall estava animado. Tomou banho, colocou suas roupas legais e um pouco de colônia que ganhara dela como presente de Natal. Saiu para o restaurante.
  O caminho que levava naquela direção do restaurante em questão por um arvoredo, descendo a montanha que abrigava a casa de Marshall. Era no inverno, e as árvores vestiam mantas brancas. Marshall não estava satisfeito em caminhar naquele frio, mas o carro estava no mecânico, e o local era perto demais para gastar com táxi.
  Aquela área sempre teve um aspecto macabro no inverno: A iluminação fraca, a escuridão da floresta com suas árvores de galhos secos, e a estrada deserta, com carros que raramente passavam, e passavam rápido.
  Isso criava uma certa paranoia nele, como se alguém estivesse o observando. Marshall estremeceu diante de tal pensamento e acelerou o passo. O arrepio era real, e não diminuíra, por algum motivo.
  No céu noturno, a lua cheia brincava de esconde esconde, aparecendo e sumindo por entre as nuvens. Robusta e amarelada, ela ainda era principal fonte de visibilidade. Escondera-se. Quando saiu para brincar novamente, um uivo ecoou no vazio em resposta.
  Marshall sentia que estava próximo. Se antes ele marchava, agora quase trotava. Desejava chegar logo no restaurante, onde estaria quente e melhor acompanhado.
  "Droga de frio," praguejou.
  No lado direito da estrada, onde o morro descia, uma série de galhos começou a se quebrar. Alguém se aproximava, correndo pelo Bosque escuro. Mais alto e mais alto.
  Marshall se virou, para antecipar quem, ou o que, espreitava-o por ali. Olhava por entre as árvores, mas nada via. Até que, gradualmente, o local ficou mais claro. Marshall forçava os olhos, e viu.
 
Um vulto negro se aproximava da estrada, e saltou na estrada, em direção a Marshall. Ele teria visto qual era o animal, se o carro que provia a luz até então não houvesse quase esmagado a criatura com seu para-choque.
  O motorista do carro desceu com pressa, pra ver o que havia  acertado.

"Foi um  cervo?" Perguntou Marshall.
"Eu não faço ideia do que foi aquilo. Sei que era rápido. E grande." Respondeu o motorista.

  De forma a melhor averiguar, o motorista foi até a frente do carro. Esticando-se pelo capô do carro, observou melhor a vítima de sua má conduta automotiva. Seu rosto, que expressava irritação e apreensão, lampejou com terror. Mãos poderosas com garras afiadas seguraram os ombros do motorista na velocidade da luz, enquanto que presas vorazes arrancavam-lhe o pescoço. Como uma estátua de pedra com uma expressão terrivelmente apavorada, Marshall assistia àquele show de horrores. Suas pernas não conseguiam se mover, e um único sussurro saiu de sua boca, como uma brisa que atravessa as árvores na noite.

  "Lobisomem..."

  A criatura horrenda subiu no carro e uivou, como se aquela morte fosse um tributo à mãe Lua. Ela, aparentemente, não estava saciada, pois a cria da noite virou-se para anova presa, Marshall, e rosnou. A criatura tinha um olhar faminto, como se pudesse o matar apenas com os olhos. Tal gesto horripilante lembrou a Marshall que ele tinha pernas, e que devia usá-las o mais cedo possível. E foi o que ele fez. Correu em disparada mais rápido que pode.
  Mas o Lobisomem era mais rápido, e a pequena distância que separava caça e caçador se diminuía a cada minuto.
Marshall, fazendo esforço sobre-humano, correu o máximo que pode, mas não seria o suficiente.
  Tinha duas escolhas: Continuar correndo e ser pego pelo lobisomem, ou se jogar no morro íngreme e não morrer com a queda. A criatura estava próxima demais, não havia escolha.
  Se jogou contra o vazio
  A inclinação do relevo facilitou bastante a aceleração, apesar de gentilmente o forçar a se chocar contra pedras, raízes e terra, rolando violentamente.
  A criatura não o seguira até ali, parecia. O coração de Marshall estava a mil, e pela primeira vez ele se lembrou de Stella. Como voltaria para ela em segurança? O caminho era claro, pois estava e perto e era necessário somente seguir a ponte, e chegaria na casa dela dentro de vinte minutos de caminhada. Será que despistara a criatura? Olhou para o alto da montanha.
  Um vulto negro vinha logo atrás, na mesma velocidade, e com a mesma dor. Sem tempo a perder, Marshall correu  bosque a dentro. Passava por troncos esguios e vegetação rasteira. Continuou correndo até, e se escondeu em uma grande pedra.
  A fera farejava o local, buscando por ele. Tudo o que Marshall podia fazer era se esconder e rezar. Galhos quebravam e folhas se mexiam, conforme a fera se movimentava. Os sons aumentavam. A criatura se aproximava com precaução. Marshall pegou um galho no chão e se preparou. Sua única
chance era distraí-lo de alguma forma e correr. Jogou o galho numa direção, e esperou a fera ir contra o barulho. Estava o monstro longe o suficiente? Não sabia. Olhou por cima da pedra, e a criatura havia sumido. Correu na direção oposta do galho jogado o mais rápido que conseguiu.
  O terreno era tão ardiloso e escorregadio. Num dia comum, seria difícil caminhar por ali, mas os flocos de neve que não foram interceptados pelas árvores se tornavam um grande empecilho.
  Marshall mal conseguia dar os passos tão necessários. Antes que tivesse percebido, já tinha tropeçado. E teria amaldiçoado o chão, se não tivesse sido pego de surpresa.
  Um saco voador de músculos, dentes e garras que o passaram por cima de sua cabeça. Marshall gritou, assustado, e se levantou rapidamente e parte em direção a um rio, com a criatura logo atrás.
  O bosque se abriu, para revelar um rio. Marshall começou a correr pela água, tentando despistar o perigo. A criatura não tinha o alcançado ainda, então havia tempo para se esconder de novo. Ele posicionou por debaixo de raízes de uma árvore antiga, que criavam um espaço oculto, bem na margem do rio. Marshall se escondeu lá, e esperou.
  A criatura não demorou a chegar. A caça podia ver o caçador muito bem, mas o inverso estava longe de ser verdadeiro. O monstro chegou a subir nas mesmas raízes em que Marshall se escondia, farejou o ar, mas não encontrou nada. Soltou um latido desanimado, e se pôs a correr norte. Ele se dirigia à vila!
  O restaurante ficava no início da cidade, de forma que seria um dos primeiros edifícios que se encontra, quando se chega em Mountain's Nest. A imagem da sua amada, esperando-o no restaurante local, veio a sua mente, e apertou-lhe o coração. Seu instinto de sobrevivência fora substituído por toda coragem do mundo, que somente o amor pode oferecer. Seu pulmões doíam, não tinha fôlego algum. Suas pernas já passavam do limite, implorando por descanso. Mas ele correu. Conseguiria ele a tempo? Será? Marshall dirigia-se norte, e os ventos invernais não pareciam incomodá-lo mais.
  A vegetação mudara de madeira para concreto. A cidade viva e populada agora era um deserto silencioso, sem ao menos uma alma perdida. Silêncio. Silêncio demais. A escuridão noturna, contrastada pela iluminação fraca das ruas, dar um ar móbido no local.
  Tudo isso dava um arrepio em Marshall. Acreditava que aquilo realmente não poderia ser um bom sinal.
  Portas fechadas. Estariam elas trancadas por causa do mal que poderia estar vagando por ali? Marshall não tinha certeza, mas todo o seu corpo dizia que sim.
  No beco, que dava na rua em direção ao restaurante, tudo o que ouvia era o som dos seus passos, e de sua respiração pesada.
E os gemidos de um moribundo. No lado direito da lata de lixo verde, retangular e enorme, jazia Jimmy. Ele estava com suas vísceras na mão, e chorava copiosamente.

"Eu não quero morrer, eu não quero morrer, eu não que..."
"Merda, Jimmy," disse Marshall, espantado ao ver seu amigo de infância ferido, "o que aconteceu?"
"Ele era enorme, Marsh. Enorme e feio. Suas garras eram afiadas. O bastardo se certificou de que minha ferida era mortal, antes de me deixar aqui agonizando." Jimmy respirava com dificuldade. "Me ajuda, Marsh, eu não quero morrer, eu não quero..."

  Os olhos de Jimmy perderam o brilho.
  O coração de Marshall agora era pura fúria.
  Procurou ao redor, e achou uma vitrine. Lá estava um bastão de beisebol de metal. Ele estava na  promoção, para a sorte de Marshall. Achou uma uma lata de metal grande, e quebrou a janela da vitrine. Munindo-se do taco, se dirigiu para o local em que sua amada estava supostamente. Faltava pouco para alcançá-la agora, mas era tarde demais.
  A fera segurava a bela em suas mãos grosseiras e peludas. O sangue de Marshall gelou quando a viu. Num impulso suicida, Marshall investiu contra a fera e balançou o taco o mais forte que pôde, acertando a nuca da besta, o que libertou Stella da morte certa.
  Stella se libertou, e mal conseguia respirar.

"Você está bem?" Inquiriu Marshall.
"Estou, sim."
"Foge! Corre o mais rápido que puder!" Era audível o desespero de Marshall.
"Mas, e você?!" Disse Stella, cheia de preocupação.
"Eu vou atrasar o monstro. Eu te encontro na sua casa. Tranca tudo e não sai antes de eu chegar."
"Mas..."
"Vai!!" Gritou Marshal.

  Stella se levantou e correu, sem não olhar para trás uma única vez. Despedindo-se com o olhar, uma última vez, Marshal, então, virou-se para criatura.

"Pode vir, seu puto! Eu não tenho medo de você!" Disse Marshall, com as pernas tremendo.

  A criatura o circulava, respirando furiosamente. O bafo dela chegava ao nariz de Marshall, e ele reconheceu o cheiro de morte: Sangue e carne humana apodrecida.
  Náusea atingiu Marshall como soco, fazendo suas pernas se sentirem fracas.
  Nessa dança mortífera, a fera foi quem tomou a liderança. Investiu contra Marshall num pulo.
  Marshall deu uma pancada certeira no focinho do lobisomem, e o
impulso do mesmo fez o continuar em frente, pelo flanco de  Marshall.
  Recuperando o balanço, o demônio investiu ferozmente contra
Marshall. Dessa vez, ele não teve tanta sorte, de forma que ambos caíram no chão, rolando.
  A fera terminou por cima, e começou a golpear com suas garras. Marshall fazia o melhor que pôde para se defender, mas um taco não era um escudo.
  Quando a criatura finalmente conseguiu segurar ambos os braços dele, ele reconheceu que era seu fim.
  O monstro se preparava para matar, e ele parecia sorrir.
O demônio observou o pescoço de Marshall, se preparou para dar o bote, e...
  Com uma pancada na cabeça, o demônio perdeu o controle de si mesmo, coçando a  nuca, enquanto uivava com dor. Uma figura se fez aparecer logo atrás, e tomava a forma de sua namorada.
  Ela o abraçou, como se o mundo tivesse parado, enquanto que o lobisomem se debatia pelos cantos.

"O que aconteceu?" Perguntou pasmo, por entre os beijos de Stella.
"Crucifixo de prata," Respondeu com lágrimas nos olhos, " Você sempre quis um, e era seu aniversário, então eu pensei..."

  A felicidade enchia o peito de Marshall e abraçou sua salvadora o mais forte que podia.
  A criatura caíra, se debatendo e ganindo cada vez mais pesarosamente. Sua respiração tentativa motivar seu corpo a vida, mas ela perdeu mais e mais força. Com olhos vidrados, a fera deixava de ser fera, e tomava forma humana.
  O casal observou o espetáculo final, depois de ter superado o mais horripilante inicíou de um jantar na história dos jantares.
  A neve caía agora, como se tivesse no tempo no mundo.

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