Abandono da Alma Gêmea

  Sentado numa poltrona, degustava um vinho doce e azedo. Próximo a ele, uma fogueira crepitava, aquecendo a o coração deprimido. Ela foi para lugar melhor, ele diz. Ela ficará bem, ele pensa. Lá fora o vento assobia, ali dentro o silêncio reina.
  A casa range, essa coisa velha feita de madeira. Tão antiga quanto seus bisavós, tão serena quanto sua doce Laura. Ele e a casa se conhecem a tempos, mas amigos nunca se tornaram. Agora o silêncio reina na casa. E a tristeza reina no coração.
  Lá fora o vento ruge, lá fora o tempo passa. Passa tudo, tudo passa. Tudo acaba, ele repete, se lembrando da doçura de Laura. Sua doçura agora jaz do lado de fora da casa, a sete palmos da terra e três quilos pedrosos de lembranças. Tão jovem, tão meiga, tão dolorosa a forma de partir.
  Foi pela dor, dor aguda, a de um coração quebrado. O coração tanto doía, que partilhou sua dor com os pulmões. Os pulmões rejeitaram essa tristeza, dizendo que era o coração que ficava triste. Jogaram para fora sua tristeza, tossiram fora sua solidão. Mas o coração era teimoso e negava a rejeição. Brigando eles, a doce Laura quem sofreu. Passara seus dias na cama. Foi-se cedo, ele reclama. Treze anos ela tinha.
Ainda podia ouvir chamar seu nome. Ela sempre gostou de cantarolar seu nome. Ela achava um tanto musical. “Richard... Riiichard...”
  Sua voz era suave, porém se tornava mais e mais nítida. “Eu lhe amei, Richard... Lhe dei meu coração...”
Era tão doloroso ouvi-la que Richard tentou se distrair. Cabeça aquela de Richard, tão indisciplinada. A voz tornava-se mais forte, como um sussurro, uma fala sem voz.”Lhe amei tanto Richard, tanto. Por quê?”     Lá fora o vento deixou de rugir para começar a estrondar. A casa lhe pareceu mais escura. O fogo deixava de lhe aquecer a pele. O frio lhe subia pela espinha. “Você foi uma pessoa má comigo, Richard”. “Quieta!”, ele lhe diz.” Calada!”, ele grita. “Você é só uma ilusão”.
  A janela abre, quase explode. O vento entra fortemente e casa range, como se tudo se enfurecesse. “Richard, querido, lhe amei tanto. Por que me deixou?”. “ Eu tive que deixar -lhe! Saia da minha cabeça.
O fogo se esvai. Um brilho azul invade a sala. “Quem lhe disse que estou em sua cabeça?”

  Ao longe, o vento rugia. Um grito ecoou. E Richard se desculpou pela última vez.

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